Crianças dormem cada vez pior
Não querem ir para a cama, acordam a chorar durante a noite, só adormecem agarrados aos pais. O sono das crianças está cada vez mais irregular, razão pela qual têm surgido cada vez mais especialistas na área
Carla não tem uma boa noite de sono desde que a filha nasceu, há dez meses e meio. Durante o dia, a bebé praticamente não descansa. À noite, acorda de hora a hora a chorar. Só se acalma quando a mãe lhe dá de mamar. No mês passado, a mulher adormeceu ao volante do carro, provocando um acidente. "A senhora está desesperada. Isto é uma tortura para as duas", conta ao DN Filipa Sommerfeldt Fernandes, terapeuta do sono, que está a acompanhar o caso. Há quatro anos a trabalhar na área, a autora do livro 10 Dias para Ensinar o Seu Filho a Dormir já acompanhou vários casos semelhantes. "Pais que deixaram cair os bebés do colo porque adormeceram, que emagrecem imenso, que perdem o cabelo." Pais que não dormem, porque os filhos não dormem. E foi precisamente porque o filho não dormia bem que Filipa decidiu estudar o sono.
Até aos 6 meses, as queixas mais frequentes dos pais prendem-se com o facto de os bebés "acordarem muitas vezes a meio da noite, precisarem de comer seis ou sete vezes por noite, só voltarem a adormecer se mamarem, fazerem sestas curtas durante o dia, terem dificuldade em adormecer". Quando são mais crescidos, diz a terapeuta, os adultos queixam-se sobretudo de que as crianças oferecem "uma grande resistência em dormir, necessitam de ajuda para adormecer e chamam os pais várias vezes durante a noite".
Teresa Paiva, neurologista especialista em sono, diz que "as crianças estão a dormir cada vez menos e a trabalhar mais", o que, em parte, está muito relacionado com "a mudança de estilos de vida das famílias", que tem implicações logo desde o nascimento. "Há uma percentagem de crianças e bebés que têm problemas orgânicos de sono, que têm de ser tratados, mas a maior parte são problemas comportamentais dos pais", indica a especialista do Centro de Electroencefalografia e Neurofisiologia Clínica. Além de chegarem a casa cansados e exaustos do trabalho, o que não permite uma "autoridade serena", os pais estão "muito ansiosos". "Estão muito centrados no bebé e fazem tudo por ele, e esse tudo pode ser negativo." Teresa Paiva fala, por exemplo, do facto de as crianças dormirem com os pais, de se habituarem a comer durante a noite, de terem alguém por perto sempre que acordam.
Um estudo feito em 2013 confirmou que 10% das crianças portuguesas dos 2 aos 10 anos têm uma duração do sono mais de dois desvios padrão abaixo da média. O autor do estudo, Filipe Glória Silva, pediatra do neurodesenvolvimento do hospital CUF Descobertas, diz que "há a perceção de que existem mais crianças a dormir pouco". Por isso, adianta, nos últimos oito anos "a área das ciências do sono tem conhecido maior desenvolvimento em Portugal e surgiram mais médicos especializados nesta área".
O problema mais frequente nos mais novos é, segundo o especialista em perturbações do sono na infância, "a insónia comportamental, que atinge 20% a 30% das crianças". Esta está associada à resistência em ir para a cama, dificuldade em adormecer e, em muitos casos, despertares frequentes. "Isto tem que ver com o temperamento da criança. Há bebés que são fáceis de adormecer, outros que dão luta. Neste último grupo, associam-se muitas vezes estímulos que não facilitam um sono independente." O pediatra refere-se, por exemplo, a adormecer ao colo dos pais, a ver televisão ou com o biberão. "A partir dos 6 meses, a criança cria expectativa do que deve acontecer para dormir." Quer isto dizer que, quando acordar durante a noite - o que é normal acontecer, porque tem ritmos de sono mais curtos -, estará à espera dos estímulos.
"Os despertares noturnos são normais. Mas uma criança que está habituada a adormecer sozinha, vira-se para o outro lado e adormece. A outra não", explica. A boa notícia, diz, é que "é possível ensinar a criança a tornar-se independente no processo de adormecer". E, em muitos casos, logo entre os 4 e os 6 meses. O objetivo é caminhar para "deitar a criança sonolenta na cama e que o processo seja o mais natural possível". No entanto, isso implica que tenha as suas necessidades satisfeitas e que antes disso tenha tido "tempo de qualidade" com os pais.
Hora certa para dormir e levantar
O conselho do especialista é que sejam revistas as rotinas e que a criança tenha um horário de sono adequado. A sequência de acontecimentos que antecede o dormir deve ser igual. Por exemplo, a criança pode fazer a higiene dentária, despedir-se dos pais, ler uma história no quarto. "O objetivo é que o cérebro perceba que aquela sequência antecede o processo de dormir." Os pais devem, progressivamente, ir "reduzindo a assistência e o contacto físico" na hora de adormecer. "É saudável que saiba adormecer sozinha."
É muito provável que, no início do processo, a criança vá chorar quando for para a cama. "Há métodos mais drásticos de deixar a criança a chorar, mas eu não sou adepto. É preciso fazer as coisas de forma progressiva. A criança pode chorar um pouco, mas com os pais presentes", diz o pediatra. Filipa Fernandes partilha a mesma opinião: "Devem ficar perto, dar mimos para a criança se acalmar. Ajudar a tranquilizar."
Em alguns casos, pode ser benéfico um "objeto de transição". "São objetos de conforto [fraldas, peluches] que dão segurança à criança. São facilitadores, mas nem todas os querem", afirma Filipe Glória Silva. Segundo o pediatra, também é importante que os pais "suspendam a utilização de ecrãs pelo menos meia hora antes de ir para a cama".
Deitar cedo também é essencial para facilitar o processo, frisa Filipa Fernandes. Quando uma criança dorme mal surgem mais birras, dificuldades de concentração, sonolência durante o dia. Isto tem consequências para o bem-estar das famílias. "As primeiras consequências são em casa, depois passam para o trabalho e, por último, para a relação com os filhos", alerta a terapeuta do sono. "Educar já é difícil à brava. Se a pessoa não dorme, será terrível."
Fonte:Jornal DN por Joana Capucho
Carla não tem uma boa noite de sono desde que a filha nasceu, há dez meses e meio. Durante o dia, a bebé praticamente não descansa. À noite, acorda de hora a hora a chorar. Só se acalma quando a mãe lhe dá de mamar. No mês passado, a mulher adormeceu ao volante do carro, provocando um acidente. "A senhora está desesperada. Isto é uma tortura para as duas", conta ao DN Filipa Sommerfeldt Fernandes, terapeuta do sono, que está a acompanhar o caso. Há quatro anos a trabalhar na área, a autora do livro 10 Dias para Ensinar o Seu Filho a Dormir já acompanhou vários casos semelhantes. "Pais que deixaram cair os bebés do colo porque adormeceram, que emagrecem imenso, que perdem o cabelo." Pais que não dormem, porque os filhos não dormem. E foi precisamente porque o filho não dormia bem que Filipa decidiu estudar o sono.
Até aos 6 meses, as queixas mais frequentes dos pais prendem-se com o facto de os bebés "acordarem muitas vezes a meio da noite, precisarem de comer seis ou sete vezes por noite, só voltarem a adormecer se mamarem, fazerem sestas curtas durante o dia, terem dificuldade em adormecer". Quando são mais crescidos, diz a terapeuta, os adultos queixam-se sobretudo de que as crianças oferecem "uma grande resistência em dormir, necessitam de ajuda para adormecer e chamam os pais várias vezes durante a noite".
Teresa Paiva, neurologista especialista em sono, diz que "as crianças estão a dormir cada vez menos e a trabalhar mais", o que, em parte, está muito relacionado com "a mudança de estilos de vida das famílias", que tem implicações logo desde o nascimento. "Há uma percentagem de crianças e bebés que têm problemas orgânicos de sono, que têm de ser tratados, mas a maior parte são problemas comportamentais dos pais", indica a especialista do Centro de Electroencefalografia e Neurofisiologia Clínica. Além de chegarem a casa cansados e exaustos do trabalho, o que não permite uma "autoridade serena", os pais estão "muito ansiosos". "Estão muito centrados no bebé e fazem tudo por ele, e esse tudo pode ser negativo." Teresa Paiva fala, por exemplo, do facto de as crianças dormirem com os pais, de se habituarem a comer durante a noite, de terem alguém por perto sempre que acordam.
Um estudo feito em 2013 confirmou que 10% das crianças portuguesas dos 2 aos 10 anos têm uma duração do sono mais de dois desvios padrão abaixo da média. O autor do estudo, Filipe Glória Silva, pediatra do neurodesenvolvimento do hospital CUF Descobertas, diz que "há a perceção de que existem mais crianças a dormir pouco". Por isso, adianta, nos últimos oito anos "a área das ciências do sono tem conhecido maior desenvolvimento em Portugal e surgiram mais médicos especializados nesta área".
O problema mais frequente nos mais novos é, segundo o especialista em perturbações do sono na infância, "a insónia comportamental, que atinge 20% a 30% das crianças". Esta está associada à resistência em ir para a cama, dificuldade em adormecer e, em muitos casos, despertares frequentes. "Isto tem que ver com o temperamento da criança. Há bebés que são fáceis de adormecer, outros que dão luta. Neste último grupo, associam-se muitas vezes estímulos que não facilitam um sono independente." O pediatra refere-se, por exemplo, a adormecer ao colo dos pais, a ver televisão ou com o biberão. "A partir dos 6 meses, a criança cria expectativa do que deve acontecer para dormir." Quer isto dizer que, quando acordar durante a noite - o que é normal acontecer, porque tem ritmos de sono mais curtos -, estará à espera dos estímulos.
"Os despertares noturnos são normais. Mas uma criança que está habituada a adormecer sozinha, vira-se para o outro lado e adormece. A outra não", explica. A boa notícia, diz, é que "é possível ensinar a criança a tornar-se independente no processo de adormecer". E, em muitos casos, logo entre os 4 e os 6 meses. O objetivo é caminhar para "deitar a criança sonolenta na cama e que o processo seja o mais natural possível". No entanto, isso implica que tenha as suas necessidades satisfeitas e que antes disso tenha tido "tempo de qualidade" com os pais.
Hora certa para dormir e levantar
O conselho do especialista é que sejam revistas as rotinas e que a criança tenha um horário de sono adequado. A sequência de acontecimentos que antecede o dormir deve ser igual. Por exemplo, a criança pode fazer a higiene dentária, despedir-se dos pais, ler uma história no quarto. "O objetivo é que o cérebro perceba que aquela sequência antecede o processo de dormir." Os pais devem, progressivamente, ir "reduzindo a assistência e o contacto físico" na hora de adormecer. "É saudável que saiba adormecer sozinha."
É muito provável que, no início do processo, a criança vá chorar quando for para a cama. "Há métodos mais drásticos de deixar a criança a chorar, mas eu não sou adepto. É preciso fazer as coisas de forma progressiva. A criança pode chorar um pouco, mas com os pais presentes", diz o pediatra. Filipa Fernandes partilha a mesma opinião: "Devem ficar perto, dar mimos para a criança se acalmar. Ajudar a tranquilizar."
Em alguns casos, pode ser benéfico um "objeto de transição". "São objetos de conforto [fraldas, peluches] que dão segurança à criança. São facilitadores, mas nem todas os querem", afirma Filipe Glória Silva. Segundo o pediatra, também é importante que os pais "suspendam a utilização de ecrãs pelo menos meia hora antes de ir para a cama".
Deitar cedo também é essencial para facilitar o processo, frisa Filipa Fernandes. Quando uma criança dorme mal surgem mais birras, dificuldades de concentração, sonolência durante o dia. Isto tem consequências para o bem-estar das famílias. "As primeiras consequências são em casa, depois passam para o trabalho e, por último, para a relação com os filhos", alerta a terapeuta do sono. "Educar já é difícil à brava. Se a pessoa não dorme, será terrível."
Fonte:Jornal DN por Joana Capucho
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